segunda-feira, janeiro 31, 2011

Trote: estupidez reloaded

Eu já me posicionei a respeito dos trotes universitários em um post antigo, mas as últimas ocorrências pedem um resgate ao assunto. Sinto necessidade de me pronunciar sobre o caso especialmente porque estou próxima de virar caloura neste ano. Veja minhas considerações sobre isso no fim desse post.

Todo começo de ano é a mesma coisa: saem os resultados do vestibular e os novos universitários têm que se submeter a mais uma prova antes de iniciarem suas vidas acadêmicas: a porra do trote.

A Lola fez um (três, na verdade) ótimo post sobre o caso recente de trote humilhante (redundância) na UNB, que consistia no seguinte: os veteranos colocaram uma linguiça no meio das pernas de um boneco de papelão, então jogaram leite condensado em cima e mandaram as calouras lamberem.

Em um dos posts da Lola, uma veterana do curso referido se manifestou e disse que as calouras não foram obrigadas a participar, que participaram porque quiseram. Além de dizer que os organizadores do trote não podem se pronunciar, não podem protestar contra nada sem ser chamados de preconceituosos. Agora me diga que raios de protesto é esse? Pelo direito de humilhar mulheres sem ser chamado de machista? (Que amor!)
Agora vamos às considerações:

Primeira consideração: Na nossa sociedade cheirosa há certos tipos de regrinhas invisíveis a que estamos submetidos desde pequenos e que nos obriga voluntariamente (lindo paradoxo) a aceitar coisas desagradáveis para evitar um mal maior, como nesse caso, em que aceitar as humilhações dos veteranos é um mal menor do que ser excluída ou perseguida durante o curso, coisa que não raramente acontece com os calouros que se recusam a participar dos trotes.
Sabe, eu fico pasma com quem fantasia (porque só pode ser isso) que as calouras estavam amando chupar uma linguiça babada e ser avaliadas sexualmente por um bando de machinhos. A prova cabal de que elas "amam muito tudo isso" é que a denúncia do caso partiu das próprias participantes.
E agora, José?

Segunda consideração: É o velho discurso que culpa a vítima: "Se ela se submeteu às humilhações, o problema é dela. Não há nada de errado com o trote." Falam coisa semelhante para a vítima de estupro: "Quem mandou se vestir daquela maneira? Pediu para ser estuprada." Afinal, quem deve satisfações do comportamento é o oprimido, não o opressor.
Aham, Cláudia, senta lá!

Terceira consideração: Ainda que haja mulheres que defendam o referido trote, como é o caso da veterana, ele não deixa de ser sexista e degradante, pois não diz respeito apenas às mulheres da UNB, diz respeito a todas as mulheres. O fato de as "brincadeiras" que envolvem o gênero feminino terem sempre conotação sexual e de não haver nada semelhante aplicado aos homens, já evidencia o caráter machista e misógino. Afinal, mulheres são commodities masculinas: "Mostra aí como você faz um oral pra eu ver se você presta pra ser minha putinha".

Quarta consideração: Agora é moda ser politicamente incorreto (vide sucesso dos stand-up comedy), e você que não aceite uma brincadeira preconceituosa, seu antissocial-rabugento-mau-humorado. É disso que te chamam quando você não vê graça alguma em denegrir grupos socialmente excluídos e diz que fazer isso só contribui para a manutenção do statu-quo e dos estereótipos. Para eles você tem que aceitar a zoação, pois trata-se apenas de uma brincadeira inocente que não reflete as reais ideias de quem a pratica. Afinal, quem tem preconceitos velados nunca usaria o humor como forma de reproduzi-los sem ser repreendido. Claro que não, que paranoia! Jogue no lixo suas bases teóricas em psicologia e sociologia.

Conclusão: Já está mais do que banalizado esse tipo de coisa acontecendo no âmbito acadêmico, e isso só demonstra como se faz urgente o combate. Só sei que é, no mínimo, ridículo ter que ensinar respeito e empatia a adultos.
E eu é que sou louca no mundo dos sãos, eu é que sou radical no mundo dos moderados.

Sobre mim: Estou praticamente certa de que vou passar na UFABC e, sim, estou preocupada com o trote. Já tive contato com alguns fubecanos (apelido dos alunos de lá), tanto gente bacana como gente babaca, e é bom estar preparada pra tudo. Já cogito faltar às primeiras semanas de aula e intensificar meus treinos na capoeira para me defender de qualquer coerção que eu possa sofrer.
E não, não faço a mínima questão de me socializar com gente escrota. Tenho certeza que conhecerei ótimas pessoas que possivelmente nem comparecerão aos trotes.

sábado, janeiro 15, 2011

Desgavetamento de ideias

Olá, meus queridos leitores fantasmas! =D

Como passaram o réveillon?
[Isso, aquela comemoração esquisita que nossa espécie adora fazer, em que se acredita que a divisão do tempo (...dias, meses, anos, décadas, séculos...) criada por nós mesmos, será responsável por uma grande renovação em nossas vidas. É quando fazemos shows pirotécnicos e promessas que nunca se cumprem.]
Lembraram-se? =)

Bem, gostaria de produzir algo novo, mas como me falta aquela inspiração que me faz escrever por horas e achar divertido, resolvi reaproveitar um texto que escrevi algum tempo atrás para um blog que tratava sobre pseudociência e de cuja equipe eu fazia parte. Infelizmente o projeto não foi além, mas as ideias continuam vivas. Se quiserem visitar: http://cienciaepoder.blogspot.com/

No texto falo sobre a importância de questionar o mundo, sejam valores da sociedade ou nossas próprias convicções. É uma breve dissertação sobre ser cético:

Introdução ao Ceticismo

É ilusão esperar que outras pessoas, além de você, compreendam o seu modo de agir e pensar com toda a completude envolvida, afinal foi o seu conjunto de experiências que resultou na personalidade que você tem hoje. O outro, cujas experiências são naturalmente diferentes das suas, nunca enxergará pelo mesmo prisma que você, por mais que ambos possuam ideias convergentes.
Acredito que em algum momento, em um exercício de imaginação, você já tenha tentado idealizar um indivíduo que tivesse os cinco sentidos sincronizados nanometricamente aos seus e pensasse exatamente como você, e ao fim da experiência tenha constatado que esse indivíduo não pode existir fora do seu corpo e da sua mente, dadas todas as barreiras da física e da própria lógica, e que ele não pode ser outra coisa, a não ser você mesmo.

Apesar disso, nós estamos a todo momento tentando impor nossas ideologias às pessoas, mesmo que de modo inconsciente. Em algum momento da vida nós convictamente acreditamos ser os donos da verdade. Parece que somos intrinsecamente grandes tolos.
O desconhecido e tudo aquilo que é contrário ao que acreditamos desperta em nós um sentimento de repulsa e medo, nos sentimos ameaçados e desprotegidos, por isso tendemos a criar bloqueios mentais, eles protegem-nos da reflexão e resguardam nosso ego, para que voltemos o mais rápido possível para a zona de conforto.

Em algum momento você já se perguntou sobre a origem dos seus valores? De onde eles vieram? Por que são deste ou daquele jeito? Já pôs em jogo suas convicções?

Decerto não é algo agradável para se fazer, ainda mais em um momento da sua vida em que tudo vai bem, mas se você tem a honestidade intelectual como uma meta, cedo ou tarde passará por essa experiência. A dúvida seria como uma nave espacial que nos leva ao mundo das descobertas, mas para viajar não podemos ter medo de deixar nosso mundo já conhecido, não podemos temer o questionamento. Aliás, o próprio medo deve ser questionado.

Spoiler da vida real
[Pare de ler aqui se não quiser se decepcionar e, pior, estragar todas as surpresas da viagem]

Ao chegar no mundo das descobertas, nos depararemos com a pior das conclusões: ele não é tão bonito e feliz, é assustador e impiedoso. No início relutamos em aceitá-lo tal como ele é, mas como nossa viagem não tem volta, aos poucos nos conformamos com nossa situação e passamos a explorá-lo mais profundamente em busca de toda a verdade.

Entre alívios e desesperos vamos nos dando conta de que o mundo em que vivíamos não passava de uma fantasia que ao mesmo tempo confortava e aprisionava. Então, a sabedoria virá da sua mais importante descoberta: nunca conheceremos a verdade última de qualquer coisa!

Percebemos que por mais poéticas que algumas explicações possam ser, não refletem de fato os fatos. Chegamos não a lugar nenhum, mas ao vácuo contemplativo. É o último estágio, aquele em que percebemos toda a tolice que é se agarrar a convicções, que ter humildade de nos assumirmos ignorantes é uma das maiores virtudes e que o mais importante não é nos voltarmos para fora, mas sim para dentro de nós mesmos.